segunda-feira, 18 de maio de 2009

"Terra Sem Mal" - elo entre Poesia e Teatro



O teatro é considerado uma arte revolucionária. Desde muito cedo na história da humanidade ela esteve ao lado dos vates, anarquistas, utópicos e até santos. O motivo é simples: no teatro, o instrumento de ação é o corpo, vivo e presente no momento da atuação / representação. Criar em si esse estado do presente, esse esvaziamento necessário para depois ser preenchido com o espírito das artes e dos deuses, essa busca muito se assemelha a uma busca espiritual e mística.

E não é à toa que muita gente, pelo bem ou pelo mal, acaba navegando por essa maré selvagem. É o caso do poeta Waldo Motta. Se para alguns pode parecer surpresa um dos maiores poetas vivos do Brasil subir ao palco para apresentar o seu mais novo espetáculo “Terra Sem Mal”, quem conhece seu percurso biográfico vai constatar que o artista iniciou sua carreira como ator. Posteriormente ele abandona a profissão, por “nutrir por ela um certo desprezo”, mas a veia tragicômica teatral marcará as poesias de Motta para sempre.

O que também não é novidade: a estreita relação entre poesia e teatro. Reavivando a memória dos leitores e dos poetas sufocados pelo “moderno”, lembremos que os grandes textos inaugurais de nossas civilizações, seja o Gênesis, o Vedas e mesmo a Odisséia ou a Ilíada, eram antes poemas lidos em voz alta e que somente depois ganharam o espaço da letra escrita. Isso quer dizer que a poesia é anterior ao seu registro em forma escrita. A poesia é, sobretudo, pela sua origem, um instrumento da fala. As rimas e a conseqüente musicalidade dos poemas eram instrumentos mnemônicos, transmitidos de geração em geração através da fala.

Então, é isso: poesia falada. A poesia de Waldo Motta recupera de tal forma a teatralidade dos autos medievais que transformar o livro (ainda inédito) “Terra Sem Mal” numa peça de teatro é uma conseqüência quase óbvia, um caminho natural, diríamos assim.

E quem quiser conferir, vai o lead: “Terra Sem Mal – um mistério bufante e deleitoso”, em cartaz no Centro Cultural Majestic, Rua Dionísio Rosendo, 99, Centro, Vitória – ES, dia 23/05 (sábado), às 19h30. Waldo Motta é o idealizador, produtor, roteirista, diretor e o etecétera da peça. Participação dos atores: William Berger, Cristina Garcia e Allan Moscon.

A partir da mitologia dos índios brasileiros, e outras referências, oscilando entre o épico e o místico, o sério e o cômico, a peça “Terra Sem Mal” é um exemplo de teatro alegórico. Evocando os autos sacramentais, as propostas éticas e estéticas de Brecht e Artaud, entre outros, a peça satiriza, em clima de festa, rave, carnaval e ópera, a busca infrutífera do paraíso, em todos os tempos e lugares, e sugere onde se pode encontrar o objeto de tão apaixonado desejo: a zona proibida do corpo.

E esse é o assunto predileto de Waldo Motta. Sua proposta é resgatar a zona proibida do corpo – em síntese: o cu – e transformá-la na taça onde é servida o vinho dos deuses. Assunto pra lá de polêmico!

E para quem reclama da falta de originalidade do teatro contemporâneo brasileiro, extremamente ligado ao mercado cultural, “Terra Sem Mal” é uma excelente resposta. O público que irá assistir essa apresentação no Majestic estará diante de um momento histórico, pois vão ver a primeira exibição de uma peça que irá rodar o mundo.

Não é a primeira vez que uma peça fora do circuito mercadológico-cultural cairá nas graças do público e da crítica. Aqui no Rio de Janeiro, temos o emblemático exemplo de “A Descoberta das Américas”, um texto de Dario Fo encenado em monólogo por Adriano Julião. Quem foi assistir às primeiras sessões da peça, lá na Casa Mercado 45, pagou baratinho e viu o nascer de um grande sucesso!

Com condições de trabalho semi-precárias, cadeiras emprestadas e palco quase improvisado, “A Descoberta das Américas” sobrava talento – com um crítica mordaz e bufanesca da invasão européia que veio a ser chamada de “descobrimento” – e tapava os buracos da falta de estrutura. Resultado: uma peça fora do circuito cultural ganhou o Prêmio Shell de Teatro e hoje está rodando o mundo.

Esse é um exemplo recente de que, na pastichização geral do teatro brasileiro, ganha quem tem originalidade e ousadia. É o caso de “Terra Sem Mal”. Imperdível!!!