domingo, 14 de março de 2010

O Brasil também é Uganda

Retirado do sítio http://amilcartavares.com





A notícia veio por e-mail, enviada pelas comunidades de defesa da liberdade sexual. Parecia um filme de terror, ambientado na idade média: pena de morte para gays em Uganda.

Só agora percebo o vigor rítmico, sonoro (e por que não semântico?) entre “gay” e “Uganda”. Como se mexem os termos, e se confrontam opostos diante de uma extrema semelhança: “gay” e “Uganda”. A sagrada sétima letra “g”, a mais amada pelos maias, é o músculo que tonifica as vogais, símbolos da alma na numerologia. Nesse campo, a palavra “gay” se reduz a seis, o número do amor, ligado ao universo feminino de Vênus. “Uganda”, por sua vez, reduz a três, de ordem masculina, ativa, ligado à comunicação.

Simbolicamente, temos um macho, três, não querendo aceitar o seu duplo feminino, seis. Mas como se parecem... as palavras: sensuais e irmãs, a ponto de eu dizer, no cavalo da metáfora, que Uganda é gay. E deve existir por lá milhares de bibas criando o maior caso para o povo estar tão preocupado assim em assassiná-las.
O filme de terror não parou por aí: mais de 30 mil pessoas foram para as ruas de Kampala, capital do país, em defesa do extermínio dos veados, lideradas por um pastor evangélico.
É impressionantemente terrível constatar que parte considerável das instituições religiosas alimentem a ignorância do povo, quero dizer, ludibriam-no com mentiras fáceis e historinhas de fim de mundo. Polidamente, a católica se posicionou contra a medida, embora reiterasse a sua proibição à prática homossexual.
Pode ser duro dizer, mas me parece muito claro que esta miséria espiritual anda em paralelo com a miséria social de nosso planeta.
Tenho a íntima convicção de que apenas um pouco de bom senso e de respeito ao próximo são suficientes para uma pessoa considerar hedionda a idéia de pena de morte para as bibas. Uma dose homeopática de esclarecimento é o bastante para darmos uma boa gargalhada diante de tamanha patetice. Não fosse o assunto tão sério. O filme era real.
Pais de homossexuais seriam presos se não revelassem a veadagem dos filhos. O projeto de lei ganhou corpo após a visita de uns padres estadunidenses, que inventaram um novo “tratamento eficaz” para “curar” as monas.
Fico imaginando quais argumentos eu deveria apresentar aos homofóbicos, ou àqueles que desconsideram a natureza gay do ser humano. Sinceramente, nada a declarar. É tão demasiadamente óbvia a marca da veadagem nesta humanidade que só um cego irrecuperável é incapaz de enxergar.
Essa cegueira quer se fazer visível, contra tudo aquilo que ousa colocar em xeque a sua escuridão. Há uma evidente reação conservadora aos movimentos de emancipação humana.
A cena mais chocante ainda estava por vir: blogueiros evangélicos brasileiros parabenizam a iniciativa do governo de Uganda. Quanta miséria, minha gente! De tão odioso, gera ódio. “Odioso”, aliás, foi o termo usado por Barack Obama ao se referir ao tal projeto.
Não é novidade que a homofobia explícita está na boca de muitos pastores e padres brasileiros. Agora, quem defende a pena de morte por lá não seria contra à pena de morte aqui. Isso assusta e enoja. O Brasil mostra a sua cara, mais uma vez, e agora talvez de forma mais explícita. Embora a defesa dos homossexuais ugandenses tenha sido amplamente abordada em dezenas de blogs, houve por parte da imprensa tupiniquim um rigoroso silêncio.

Nossa nação guarda ainda os profundos preconceitos que fundaram a atual civilização. Uma ampla liberdade sexual é constantemente reprimida pois coloca em cheque os padrões e a moralidade estúpida que regem o atual comportamento social e, por conseguinte, econômico e político. Uma moralidade falida, acabada, dissecada, morta às pulsações sensuais do corpo.
Mais uma batida no google e o cenário podre estava enfim montado: meia dúzia de países africanos já têm pena de morte para gays. Em muitos outros a idéia ganha força, a partir dos acontecimentos de Uganda. Entre a América Central, norte da América do Sul, África, Ásia e pedaços da Oceania, mais de 30 países possuem leis “anti-homossexuais”.
Uganda não um ponto isolado no mapa. Há no planeta uma horda imensa de pessoas vítimas de suas tradições culturais, infelizes e de vocação homicida. Por outro lado, há também uma parcela da população sedenta por justiça. Podem ser minoria, mas têm a seu favor a coragem, que alimenta os espíritos em busca da verdade e de um amor pautado em valores universais. São os denunciantes das barbáries e já meio impacientes com o atual estado de coisas.
A própria Terra demonstra uma certa impaciência. O caldeirão ferve. A história do homem é um piscar de olhos para o universo. Não adianta impor o nosso ritmo, a nossa temporalidade industrial no tempo da natureza, que cada vez mais exige o seu equilíbrio, quer o homem faça parte dele ou não. Podemos ser soberanos da natureza, mas somente segundo as suas leis e, entre elas, está a lei da veadagem, uma constante cosmológica, uma ordem do infinito que se manifesta nas abundâncias e reentrâncias da vida, em suas amplas formas e sentidos. Negar isso é negar-se a si mesmo.

Em vários sentidos, do científico ao religioso, estamos em constante unidade com os demais seres, animais, vegetais ou minerais. O meio ambiente somos nós, é uma extensão do que nós somos, e também o nosso reflexo. Com que palavras deverei expressar a clareza das águas: os terremotos no Chile, a pena de morte em Uganda e o aquecimento global são resultados diretos do conjunto de cada um de nossos pensamentos e atitudes. Exteriorizamos nossas guerras interiores. Botamos pra fora o nosso medo do outro, e assassinamos quem não conhecemos.
Os profetas do apocalipse levantam de sua tumba para questionar a Deus: meu Deus, até quando? Que espetáculo tórrido, Senhor! Em teu nome assassinam os seus eleitos. Quantos milênios atravessaremos atrás de uma migalha de sabedoria? Como falar aos corações que batem por detrás dos preconceitos e máscaras sociais? Como transcender todas as mentiras pregadas na história? Como sermos maiores do que nós mesmos? Nessa batalha, quais são as suas armas, Senhor?







Quem responde é Ogum. O deus africano da guerra nos dá a armadura certeira, nas palavras do poeta Waldo Motta: “tudo o que um guerreiro precisa / quando vai à luta é depor / armas e flores aos pés dos inimigos / cair matando de amores / por todos os filhos da puta”.
Quem ainda não assinou a petição contra a medida, por favor, faça-o imediatamente clicando AQUI.