terça-feira, 14 de janeiro de 2025



Se acreditamos que “tudo é relativo”, precisamos, então, compreender: a própria sentença “tudo é relativo” é, também, passível de ser relativizada. Ou seja, nem tudo é relativo.


Do mesmo modo, temos o ditado “nunca diga nunca”. Ora, se nunca pudermos dizer nunca, jamais poderíamos afirmar “nunca diga nunca”.


Tantos outros exemplos nos sugerem os limites da linguagem verbal, em seu intuito de descrever as percepções do ser humano quanto à essa louca experiência chamada “realidade”.


Como tradução mais palpável de nossa mente, a linguagem, na medida em que se aproxima do horizonte dos inexplicáveis da vida, começa a dar tilt... como se não pudesse, enfim, dar conta desse “além”, que tanto nos fascina e atormenta.


Daí, a poesia: esse afã de dizer o indizível, de nomear o inominável, de distorcer as palavras, ansiando transmitir algo que, por sua própria condição, parece nos soar intransmissível.


E, quando nos deparamos, na hora certa e no momento certo, com um poema que nos aclara, com uma música que nos elucida, com uma imagem que nos revela, alcançamos um estado tão excitante e incomum que... silenciamos. A arte se expressa a uma profundidade que nos cala.


A estesia diante de algo belo e tocante nos faz ficar quietos como um susto, nem que seja por um instante, um pico de silêncio em meio aos barulhosos deveres do cotidiano.


Desse silêncio, mesmo que raro, muito se decifra. Me faz lembrar os famosos versos do poeta místico Rumi: “o silêncio é a linguagem de Deus, todo o resto é má tradução”.


#poesia #silêncio #linguagem #arte #rumi

quinta-feira, 15 de agosto de 2024



A máxima “penso, logo existo” remonta ao século XVII, na Europa, e inaugura o racionalismo no pensamento ocidental. Seu autor, Descartes, é considerado o pai da filosofia moderna, na qual a razão analítica se sobrepõe aos sentimentos e à subjetividade na busca pelo conhecimento. 


Em nossa cultura, o “penso, logo existo” criou um vínculo quase que inquestionável entre o pensamento e a existência, a ponto de gerar uma identidade completa entre o nosso ser com aquilo que se é pensado.


Exemplo trivial: penso em algo triste, me identifico com aquele pensamento e passo a me sentir triste, e viro praticamente a própria tristeza. Mas daí passa, e me vem um pensamento de algo alegre, e aí me identifico com a alegria, sinto a alegria, vivo a alegria, sou a alegria. Mais adiante, penso em algo que me dá medo, e assim vai...


Ocorre que nossa mente, a depositária de todos os pensamentos, digamos assim, está sempre pensando em algo, e pulando de galho em galho. Já até foi contabilizado quantos pensamentos um ser humano pode ter em um dia. Cientistas da Queen’s University, Canadá, publicaram um estudo na revista científica “Nature Communications” em 2020, elencando cerca de 6,2 mil pensamentos diários. Mas pode-se encontrar na internet gente falando em até 70 mil!


Você pode observar no seu dia-a-dia os pensamentos que te deixam melancólico ou pessimista ou os pensamentos que lhe despertam esperança e motivação. Claro, cada um de nós tem certas tendências de caminhar por esta ou aquela trilha do pensar. Mas, observe...


Na medida em que observamos o fluxo interminável de pensamentos, vamos, aos poucos, descontruindo essa cruel identidade com tudo o que se passa pela nossa cabeça, gerando sofrimento e tormenta contínuos (quanto mais nos emocionamos com os pensamentos, maior a identidade com eles).


Observe... você não é, apenas, o que você pensa; você é, também, o ser que observa os seus pensamentos. Reiterando: você não é a sua mente, você é o ser que observa a sua mente. 


E, na medida em que observamos, vamos nos distanciando do pensar e nos identificando com este ser (a consciência) que observa.


Mas... quem é este ser que observa? Quem está por trás dessa máquina misteriosa de pensamentos? Quem sou eu, afinal? 


É uma boa pergunta, da qual costumamos fugir. Aventure-se a questionar: quem sou eu?, e observe o sentimento que lhe desperta logo após a indagação. Me conta!


Indícios de uma possível resposta: se você não é a mente, se você não é este ser que pensa, então, você é algo que está além da linguagem. Pois a linguagem é o atributo típico da mente, é a sua forma plena de expressão, resultado de suas vivências pessoais, na relação com o contexto histórico, social, político, cultural, psíquico, familiar, territorial, linguístico, genético etc. etc. em que está inserido. Mas, se você não é nada disso, então, quem é você?


Numa grosseira síntese: você é algo que a linguagem humana, tal como a concebemos, não pode expressar. 


É muito provável que a resposta a essa pergunta possa ser vislumbrada, somente, no silêncio.


O silêncio é a expressão mais verdadeira de sua consciência. 


Medite.


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domingo, 24 de março de 2024

São José do Calçado

A Ivny Matos


Olhar esse invisível,

nomear esse inominável 

explicar esse inexplicável

é o nosso mais inútil trabalho.


O movimento nos mantém estáticos, 

em êxtase de tudo e nada,

à espera e à procura

do grande silêncio que nos fala.