sexta-feira, 7 de novembro de 2008

AS PEDRAS ROLAM

Lugar disputado por alpinistas do Brasil e do mundo, o Parque dos Três Picos se revela também uma alternativa de descanso e meditação, como qualquer lugar natural relativamente distante das sonoridades urbanas – estas passam a ser um zunido grosseiro se comparadas à orquestra noturna de grilos e sapos.

Localizada a cerca de 40km de Nova Friburgo (RJ), a cadeia de pedras graníticas tem a imponência de ser o ponto culminante de toda a Serra do Mar, que vai de Santa Cataria ao Espírito Santo e se constitui num santuário da Mata Atlântica. A criação do parque ocorreu justamente para preservar um dos cinturões centrais da floresta, que já perdeu quase 85% do território original no Estado do Rio.


Os Três Picos se erguem a cerca de 2,3 mil metros de altura acima do nível do mar. No cenário montanhoso, paredões enormes de pedra cercam casas minúsculas, como se as grandes rochas acolhessem maternalmente seus filhotes de alvenaria. A terra vermelha que os une recebe plantações de feijão, couve, tomate, brócolis, agrião, salsa, cebola, alho, batata, beterraba... hortifruti em geral.

Embora a maior parte das lavouras seja prejudicial à saúde do planeta, pois é carregadíssima de agrotóxicos (o tomate, principalmente), alguns pequenos agricultores, ainda que em iniciativas pontuais, insistem no plantio orgânico, como opção de trabalho e de vida.

Ao longe, na paisagem arbórea, se destacam as araucárias. Altas e corpulentas, adequadas ao clima temperado, estão presentes nas estradas, morros e encostas. Elas compõem, junto com o corte das montanhas, um desenho tão peculiar que uma pessoa desavisada poderia até achar que não se está no Brasil. Engano de quem desconhece a gigantesca biodiversidade do país, de longe a maior do mundo, reunindo vários ecossistemas num mesmo território.

As nascentes que brotam da montanha rapidamente se transformam em rios e cachoeiras, às vezes ideais para o banho, outras somente para contemplação. Aliás, no contato com a natureza, o homem assume seu caráter observador/contemplativo diante do universo. Qualquer movimento entre pedras e matas requer atenção e concentração, afinal nesses ambientes torna-se evidente quem dá as regras do jogo.

Pode-se até combinar passeios e escaladas, mas jamais há de se praguejar contra trovões repentinos nem reclamar das nuvens que encobrem os Três Picos. Eles requerem o céu nítido azul para serem plenamente avistados em sua imensidão e beleza.

Portanto, o imprevisto – planos calculados nos mínimos detalhes vão por água abaixo. Haja paciência para o recomeço, urgente e necessário ciclo na qual a grande lei imutável é a contínua mutação de todas as coisas.

O verde e as ervas

De dia, o verde, em inúmeras matizes, predomina. Simbolicamente ligada à cura e ao auto-conhecimento, a cor se transforma em inúmeras formas. Os primeiros homens, possivelmente, identificaram as ervas medicinais segundo esses traços: cor, forma e aroma. Há quem acredite, sim, que o poder de cura da malva, por exemplo, tenha sido descoberto em virtude do formato de sua folha, que remeteria à imagem de um pulmão. Assim como o aspecto “cortante” da espinheira santa seria indício de seu poder de digerir as impurezas do aparelho digestivo.

Ecos de uma tradição milenar, que vê o sagrado nas formas da natureza. Controvérsias? Sim, naturalmente. Se isso procede ou não, o fato é que as ervas medicinais permanecem usadas como o principal instrumento de cura para milhares de brasileiros, principalmente no interior, onde o acesso às plantas é geralmente fácil, de graça ou quase de graça, devido ao hábito de compartilhar o remédio verde entre os vizinhos.

Uma boa dica: abrace um pé de alecrim. Trazida do além-mar e perfeitamente adaptado às terras da América, em diversos climas, inclusive, a erva faz parte do imaginário coletivo brasileiro. Alguém se lembra da suave melodia, “alecrim, alecrim dourado, que nasceu no campo sem ser semeado”. De matiz verde claro a verde escuro, conforme a espécie e a idade, folhas pequeninas e esguias, dispostas verticalmente ao longo dos galhos, tez aveludada, ao esfregar nelas as mãos e o corpo deixam emanar o perfume característico, propício à introspecção.

Malva, espinheira santa, alecrim e mais: lavanda – para limpeza externa e interna, arruda – conhecida como a “erva dos bruxos”, capim limão, camomila, confrei, carqueja e tantos outros são encontrados nos quintais dos habitantes da região dos Três Picos. Há até a mediterrânea e misteriosa mirra, citada em passagens do Antigo Testamento como a erva preferida de Deus (!) e presenteada pelos reis magos ao bebê Jesus, junto com ouro e incenso.

Embora de fácil assimilação a ambientes domésticos e urbanos, é difícil encontrar o matinho nas bancas de ervas do Rio de Janeiro (cuidado: às vezes você pede ao mateiro a mirra e ele lhe dá outra erva, isso já ocorreu comigo, por exemplo). A mirra não está presente nem no canteiro de plantas bíblicas do Jardim Botânico, nem na horta bíblica da PUC-RJ. Seu uso medicinal parece ainda desconhecido. É indicado sobretudo para a cura de doenças auto-imunes.

As rúculas: nascidas incrivelmente no mato, e às vezes capinadas junto com outras “ervas daninhas”. Direto do chão para a mesa, recém-rancadas, guardam no frescor a vitalidade da terra virada verdura. Rica, saborosa, crocante e cheirosa. Não tenha dúvida: subir aos Três Picos para comer rúculas do mato é um programão.

Pelos caminhos e trilhas: pomposas hortênsias, cintilantes margaridas, vaginais orquídeas e vulgares marias-sem-vergonha, muitas outras e muitos outros nomes e sensações num mosaico de peças vivas e lúdicas, onde brincam a vida e a morte na mesma interface, o corpo humano experenciado em suas extensões micro e macrocósmicas, diluído num ser físico/ químico/ quântico/ bio-elétrico/astral/ erótico/ neural/ orgânico/ carnal/ visceral/ mutante/ criativo e quaisquer outros traços que a poesia dimensionar/ despertar/ desvendar/ elucidar/ fazer nascer/ romper/ iluminar o escuro da palavra escrita.

Indícios de um outro tempo

As pedras rolam. Há alguns poucos milhões de anos, as rochas gigantes cederam, explodiram, desintegraram-se em outras menores. Quem sobe os Três Picos, é capaz de imaginar o bailar violento das pedras em queda, descendo morro abaixo, como se a paisagem rochosa fosse uma fotografia, um indício do que ocorrera num grande momento de transformação da Terra.

O verde logo que encobre as pedras mais antigas sinaliza: já faz um bom tempo. E os homens e mulheres desta civilização ocidental habitam o lugar há pouco mais de um século, trabalhando duro e diariamente diante de um cenário monumental. Mudaram as pedras do lugar, rasgaram estradas na mata, queimaram para plantar, envenenaram para comer.

Se a entrada do homem quem qualquer ambiente natural requer que este necessariamente sofra uma mudança, em muitos casos, radical, nos Três Picos há resquícios de uma harmonia do homem com a natureza.

O lugar tornou-se habitação de vários montanhistas, aventureiros e amantes do ar puro. As casas situam-se entre 1,2 mil a 1,5 mil metros acima do nível do mar, altitude adequada para tratamento e cura de doenças respiratórias, causadas em suas maioria pela poluição urbana, e uma das principais causas de morte no Brasil.

Para alguns moradores, o respeito à Mãe-Terra salta da consciência ecológica para uma dimensão espiritual. Aquela velha máxima: os sábios buscam a montanha. São alpinistas da alma.

Eis o fascínio daquelas pedras, que atrai gente das mais diversas.




OPÇÃO DE HOSPEDAGEM:
Refúgio do Ronca Pedra

Não é hotel nem pousada, é um refúgio. Alojamento confortável, banho quente, lugar apropriado para cozinhar, ótimo atendimento, preço acessível.

Localizado nos arredores do Parque Estadual dos Três Picos, próximo ao vilarejo de Santa Cruz, até onde se chega de ônibus intermunicipal. Daí pra cima, só de carro (com boa tração e excelente motorista) ou a pé.

Informações:
Giovanni Tartari – (21) 9241-5677, (22) 9833-6020, (22) 2543-3642 e gio-tartari@bol.com.br.

2 comentários:

Andréia Delmaschio disse...

Que prazer me deu ler o artigo “As pedras rolam”! Quase pude ver as enormes rochas caindo morro abaixo, como o imagina o jornalista-poeta. Vislumbrei cada uma daquelas flores e hortaliças e remediozinhos que tiramos do mato... O Joãozito também não tinha preguiça de enumerar e descrever e mastigar cada folhinha verde ou roxa que encontrava pelos caminhos, nas suas andanças. Acredito sim, muito, mesmo, que subir os Três Picos para comer um feixe de rúcula fresquinha seja uma grande viagem... Como não? Ou, então, de onde viria a beleza de imagens poéticas como estas: “No cenário montanhoso, paredões enormes de pedra cercam casas minúsculas, como se as grandes rochas acolhessem maternalmente seus filhotes de alvenaria”? Que beleza! Quanto saboer! Quem escreve assim está galgando o terreno íngrime da liberdade.

Adriano De Lavor disse...

eu sabia que do silêncio podia surgir a música.
let´s rock! let´s roll!
hahaha
muito poética e sensível a sua abordagem...
adorei!