sábado, 22 de janeiro de 2022

O moço já era velho.



Sim, ele sabia, como não?



Magreza em excesso, depois de uma certa idade, denotaria apatia ou mesmo doença, mas, definitivamente, não era o caso. A face corada, os braços e pernas esguios, a calça bege e a camisa de botão rosa-bebê limpas, o sapato engraxado, as barbas aparadas... eis um senhor bem afeiçoado, avançando as décadas caminhando para a morte em suave elegância, exemplar, quase um equilíbrio... Nem seria preciso, de fato, esconder a flacidez do corpo, nem a expressão um pouco cansada.



Agora, por que diachos demorava tanto a escolher os guardanapos a serem comprados naquele largo supermercado? Afinal, eram simples guardanapos, havia os caros e os baratos... era só comprar. O homem perdurava tempo infindável lendo atentamente as informações miúdas das embalagens. Posicionava com atitude a cabeça, os olhos e os óculos de tal modo a absorver os detalhes da borda do produto, revirando-o frente e verso, dos lados, olhando e prestando atenção em cada pequenina descrição.



Deveria eu ir correndo avisá-lo de que não há tempo a perder?, de que cada segundo na vida que finda é precioso?, e que, por fim, foda-se os guardanapos, você pode escolher um caro ou um barato, de acordo com sua disposição ou necessidade, por que dedicar espaço na sua vida ponderando, medindo, calculando, se informando sobre os variados tipos desse papel descartável quase  lixo?  



Seria o homem um profissional dos guardanapos? Por isso, teria se arrumado tão bem, feito a barba e se perfumado, para ir naquele mercado pequeno burguês avaliar a qualidade e variedade dessa coisa quase desimportante? 



Após observar atentamente os vários tipos de opções, o homem se dirige a uma máquina leitora de preços. Ali, demorou-se mais um tempo, quieto, parado, passando produto por produto, pensando, contemplativo. 



Como eu apressava-me em saber se o cereal que iria comprar era mais caro ou barato que o imaginado convencional, não suportei a espera, e pedi licença para apreçar, no que ele consentiu gentilmente, como se estivesse bem disfarçando, por ter sido pego num susto.  



Ainda rodei outras gôndolas, um tanto assustado com o preço alto das coisas, aumentando em mim um ódio do governo, da cidade, do capitalismo, da humanidade, do planeta, e dirigi-me silencioso ao caixa, ciente de que precisava respirar fundo. 



Atrás de mim na fila, estava ele, calmo e vistoso, o homem moço velho. Em sua cesta de compras, figurava apenas uma embalagem de guardanapos. Não observei a marca, nem a quantidade, nem pude supor o preço. 



Tentei ainda, num gesto esquisito meio desesperado, virar-me para trás e mirar-lhe os olhos, cavar qualquer coisa nesse homem que pudesse me trazer algum consolo, alguma compreensão, mas foi em vão, não lhe pude alcançar, a moça do caixa apressadamente me gritava: “próximo”!


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