segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Quinteto Sivuca - pela primeira vez na Lapa

Da esq. p/ dir.: Jorjão Carvalho, Guga Mendonça, Paula Faour, Cacá Colon e Marcelo Caldi


Atenção amantes da música brasileira: pela primeira vez na Lapa, o Quinteto Sivuca se apresenta no Rio Scenarium, nos próximos dias 01, 02 e 03 de dezembro (terça, quarta e quinta), às 19h.



O show é marcado por um repertório dançante, com forrós instrumentais, azeitados com muito "jazz tupiniquim", usando a expressão do próprio Sivuca, um dos responsáveis por elevar o forró a uma linguagem universal.



O Quinteto Sivuca é uma homenagem ao grande mestre da sanfona, um dos maiores artistas do século XX, falecido em 2006. O grupo é formado por integrantes da banda de Sivuca nas últimas décadas e assume o compromisso de levar o seu legado musical para as próximas gerações.


Formado por excelentes músicos do circuito instrumental brasileiro, o Quinteto Sivuca também investe em composições próprias. Os destaques vão para "Lembrei do Ceará", animado forró de autoria de Marcelo Caldi (sanfona), e "Menino Sivuca", belíssima homenagem de Jorjão Carvalho (baixo) ao mestre, com quem dividiu os palcos desde a década de 70. O Quinteto Sivuca é formado ainda por Cacá Colon na bateria, Paula Faour nos teclados e Guga Mendonça na guitarra. O show é um passeio pelo que há de mais vibrante na música brasileira - a sua pluralidade de ritmos e sua universalidade.

Serviço:
Dias 01, 02 e 03 de dezembro – terça, quarta e quinta – às 19h.
Rio Scenarium – Rua do Lavradio, 20 – Lapa, Rio de Janeiro – RJ.
Couvert artístico: R$ 20
Informações: (21) 3147-9000
Vídeos, músicas e fotos em www.myspace.com/quintetosivuca

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Curso de Gay Tantra chega ao Brasil


Durante milênios, a sexualidade homoerótica foi dissociada das práticas de elevação espiritual, como se fossem pólos irreconciliáveis. Contudo, a proximidade entre sexualidade e religião é apontada por vários pensadores do século XX, como Jung e Reich, e tantos outros ao longo da história. Haja vista os grandes poetas místicos, do ocidente e do oriente, que transformaram os seus corpos em cálices para que se derramasse o vinho divino.

Uma das sabedorias mais antigas do mundo, o Tantra Yoga, também padeceu preconceitos homofóbicos, com muitos mestres a defender que o sexo tântrico é voltado somente para homens e mulheres. Engano. O futuro rei da Índia, Manvendra Singh Gohil, o primeiro assumidamente gay da história hindu, revela que várias passagens homoeróticas foram retiradas dos cânones tântricos.

Seguindo a máxima do poeta Victor Hugo – não há nada de mais poderoso no mundo do que uma idéia cujo tempo já chegou – finalmente chega ao Rio de Janeiro um curso inédito voltado para homossexuais – o Gay Tantra. Partindo de uma máxima tântrica, para a qual cada corpo contém em si a bipolaridade masculino versus feminino, o curso propõe a realização de técnicas para despertar, dentro de cada um de nós, a experiência homoerótica, como vínculo elementar para elevação espiritual.

Afinal, é no centro anal – considerado também o ponto zero da acupuntura – que reside o chakra raiz, na base da coluna, abaixo do osso sacro, o chakra do movimento, considerado gerador de todas as coisas, e onde reside a kundalini, uma força plenipotenciária capaz de elevar aos chakras superiores da cabeça as energias telúricas, num movimento serpentiforme – considerado por muitos místicos a própria chave da eternidade.

O curso Gay Tantra é ministrado pelo profissional de Hatha-Yoga Fernando Hartmann. Há décadas, Hartmann realiza cursos de tantra, e notou que a participação é basicamente de pessoas declaradamente heterossexuais. Segundo ele, muitos gays o procuram para cursos de tantra, mas se sentem intimidados com a maioria heterossexual. Foi por isso que o instrutor decidiu montar um curso exclusivamente para gays. Até porque a vivência homoerótica possui especificidades, principalmente no que diz respeito ao prazer anal.

O curso oferece as bases para uma prática gay tântrica com plenitude, sem preconceitos. Será realizado no dia 07 de novembro, das 10h às 14h, na sede do Movimento de Educação, Culturas e Artes, em Copacabana. Mais informações: 21-2256-7848, ou 21-8622-4344.

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Quinteto Sivuca renova o legado do mestre da sanfona

De cima p/ baixo, da esq. p/ direita: Guga Mendonça, Marcelo Caldi, Cacá Colon, Paula Faour e Jorjão Carvalho. Foto: Sérgio Bondioni


Com novos arranjos para músicas consagradas do repertório de Sivuca, o QUINTETO SIVUCA sobe ao palco mais uma vez para demonstrar a vitalidade e a genialidade do mestre da sanfona. O show será na próxima sexta-feira, 25/09, às 19h, no Centro Municipal de Referência da Música Carioca, localizado à rua Conde de Bonfim, 824, Tijuca. Ingressos a R$ 10, inteira, e R$ 5, para a lista amiga.


O grupo é formado por expressivos nomes do circuito instrumental brasileiro: Marcelo Caldi (sanfona), Paula Faour (piano), Jorjão Carvalho (baixo), Cacá Colon (bateria) e Guga Mendonça (guitarra). Além do talento, os músicos têm em comum a admiração e o profundo conhecimento do legado musical de Sivuca, bem como a participação em shows com o sanfoneiro nas últimas décadas.


Neste show, serão apresentadas novas versões para o choro “Homenagem à Velha Guarda”, um dos mais famosos de Sivuca, e para o sucesso internacional “Pata-Pata”, mundialmente conhecido na voz de Miriam Makeba e que, pouca gente ainda se lembra, teve o arranjo original de Sivuca. O grupo agora apresenta essa mesma música vestida por uma roupagem jazz-experimental. Os arranjos são de autoria do legendário baixista Jorjão Carvalho, que tocou com Sivuca em shows pelo Brasil e exterior desde o final da década de 70.


Outro ponto alto do QUINTETO SIVUCA são os números solo. Paula Faour apresenta “Um Piano ao Entardecer”, uma balada composta por Sivuca e dedicada à pianista. Marcelo Caldi, por sua vez, apresenta a virtuosística “Quando me Lembro”, de Luperce Miranda, uma valsa-concerto feita originalmente para bandolim e adaptada para sanfona por Sivuca – uma das músicas mais tocadas pelo mestre em toda a sua carreira – e de difícil execução, pois tenta imitar dois bandolins no instrumento de fole. Será a primeira vez que Caldi tocará “Quando me Lembro” à frente do grupo.


Além do repertório de Sivuca, o QUINTETO SIVUCA também apresenta músicas autorais, como “Lembrei do Ceará”, forró de Marcelo Caldi, e “Menino Sivuca”, homenagem de Jorjão Carvalho ao amigo. O show é um verdadeiro passeio pela diversidade da música brasileira, pois reúne choro, forró, baião, frevo, valsa e muito “jazz tupiniquim”, conforme o termo adotado pelo mestre da sanfona. E, claro, estarão presentes os grandes sucessos “João e Maria”, parceria com Chico Buarque, e “Feira de Mangaio”, sucesso imortalizado na voz de Clara Nunes. O show é uma iniciativa da Rede Rio Música.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Vôo



Vejo o verso alçar vôo
em cânticos e gritos,
são ecos de um universo
paralelo e escondido.

Atravessa geleiras
e o calor dos desertos,
rouba-me as altas noites,
joga-me cru aos vícios.

O verso é a nudez clara,
a sombra do poeta,
a sobra do banquete,
sombria perfeição,

cuja nascente é o lodo

do barro do homem feito.
O verso do poeta
atrás de si revela


reversos de outros ditos
o eu de todos nós
adversos, versados
em estar em si, consigo.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

A PESTE E O TEATRO ALEGÓRICO - por Waldo Motta

Pintura: Gian Paolo Doth


"Recomendações de autoridades sanitárias:


Evite o contato físico com outras pessoas.

Não beije, não aperte a mão, diga olá.

Quisera fazer uma abordagem mais profunda do assunto em pauta. Porém, a necessidade e a urgência me obrigam a não adiar esta postagem. Sendo um arauto da Terra Sem Mal, isto é, o Paraíso terrestre, que parece cada vez mais impossível, dado o grau extremo de deterioração da qualidade de vida, em nível planetário, vou abordar agora este assunto, à luz de minha proposta de teatro alegórico. O assunto é a gripe suína, a aids e outros males da Terra.

Eu desafio a peste. Eu desafio a morte. Eu desafio o mal. Eu desafio a deusa Vênus e suas enganações. Eu desafio o Diabo e suas mentiras. Eu desafio Deus e seus decretos implacáveis.Eu sou Motta, tenho mato e mata em mim, e deveras vim do mato, mito das matas mateenses.Eu sou Waldo, que vem de Wald, em alemão, floresta, bosque. Sigam a via analógica, por favor. Eu sou Edivaldo, o governante, o guia; riqueza, prosperidade.E vejam que sou a Waldelícia do paraíso, sou um Mottagal repleto de bichos e bichices.Assim como o poeta florentino, e como o poeta itabirano, no meio do caminho desta vida, me encontrei em uma selva escura, e vi a cara do capeta, e que o bicho era apenas invenção para isolar e separar o sagrado do contato do poviléu.

E a esfinge disse: ou me decifra ou te devoro. Pois bem, eu desvendei o enigma, e matei a charada; enra bei o capeta, o leão, a onça, o jaguar azul, enfim a monstra guardiã do lugar sagrado. E arrebatei o graal, e libertei o Rei encarcerado. E disse-lhe: Levanta-te, ó Deus, para socorrer os justos e fazer justiça aos que te amam. E ele me escolheu como seu bem amado para anunciar o seu reino, a sua verdade, à luz da qual todos devem andar, para o bem de cada um e o livramento da alma.

Ataquemos a peste! Notei que o nome do vírus da gripe suína H1N1, em numerologia soma 15, que reduz a 6.E há muitos anos atrás, desde que surgiu a AIDS, notei que este nome também somava 15. Pois bem, meu sobrenome MOTTA soma 15. E meu prenome EDIVALDO soma 36, que é 6 vezes 6. A soma de EDIVALDO MOTTA dá 51, ou 15 invertido. Eu disse: 51 é o 15 invertido! Aqui está um grande segredo.

Somando-se os números de 1 até 36, a soma será 666. Portanto, eu posso combater o mal que assola o mundo. Quem conhece a minha poesia, sabe que não estou brincando.No Tarô, a carta 15 representa o Diabo e apresenta um quadro em que este ser imaginário está sobre um cubo ao qual estão aprisionados um homem e uma mulher. A carta 15 simboliza os interesses sexuais, financeiros, assuntos de ordem material. Notem que a carta 6, do Tarô, representa os Namorados, ou o Enamorado, ou a Encruzilhada, e apresenta um homem jovem em atitude dubitativa, meditabunda, na encruzilhada de dois caminhos, guardados por duas mulheres, que alguns intérpretes entendem ser a mãe e a esposa.Por outro lado, em hebraico, 15 é o número do nome secreto de Deus que não pode ser lido ou pronunciado e, por isso, na Torá, este número é escrito de for ma indireta, como 9 mais 6, para evitar o emprego das letr as Yod e Hé, que valem respectivamente 10 e 5, e estão no nome sagrado YHWH, que alguns pronunciam como Javé. E este nome vem de um verbo que significa ser e estar. Aquele ou aquilo que é, que está; que foi, que é, e que será.

Todos sabem que a estrepolia de Adão e Eva é o núcleo ou nó dramático principal de todas as narrativas bíblicas; situação em torno da qual todas as outras orbitam. E dá origem à sucessão de tragédias e farsas da própria História, esta que vivemos (fazemos?) em nossa vida laica, secular. O crítico literário Harold Bloom afirma que a Cabala é uma espécie de misticismo sexual e teologia erótica, opinião que endosso em todos os sentidos.

A repressão sexual e a privação dos saberes ligados ao sagrado (vale dizer: ao sacro) levou o mundo a esta situação deplorável. Em vez de repressão, as pessoas necessitam de informação, esclarecimento, franqueza, verdade. Somente a verdade a respeito do sagrado poderá erigir um mundo novo. Porque a repressão ao sagrado é a origem de todo o mal que existe na Terra. Adorar o sagrado, em seu lugar devido, isto é, o sacro, é o princípio da solução de todos os problemas. Adorar o Deus dos deuses em seu próprio trono é conquistar o paraíso e o reino do Céu. O lugar sagrado é o próprio Céu, a casa da felicidade.


C é U



Deuses e senhores mesquinhos, opressores, transformaram o sagrado em algo medonho, aquilo que não pode ser pronunciado, o indizível, o inefável, o sublime, todas essas bobagens. Por outro lado, conforme deduram os próprios dicionários, o sagrado é também o vergonhoso, o infame, o intocável, proibido. Huuuuuummmm!!!Com esses prolegômenos, agora posso dizer o que todos precisam saber. Acabou a era do crescei e multiplicai-vos. Este planeta é muito pequeno e tem gente demais. Já disse alhures e repito: chega de hipocrisia. Não pensem que plantar árvores, salvar tartarugas, baleias e outras sandices vão resolver o problema e livrar o planeta da grande tragédia iminente.A balela do crescimento econômico ilimitado não iludirá mais ninguém. Ao invés de crescer e multiplicar, chegou a hora de diminuir o crescimento e dividir as riquezas, os bens. Todos deveriam pensar seriamente no fato simples e elementar de que somente o crescimento populacional justifica o crescimento econômico...A natureza está reagindo, o meio ambiente está reagindo. E corrigindo os males e estragos causados pela espécie humana. É ridículo demais sermos vítimas de micróbios, bactérias e vírus associados a mosquitos, ratos, chipanzés, porcos, frangos. É tragicômico saber que o arroto e o peido das vacas é um dos piores vetores do chamado efeito estufa... E tem vacas demais neste planeta, para alimentar e produzir lucros para uma humanidade que não pára de crescer e multiplicar.



Sempre entendi que 666 tem a ver com o excesso, com os excessos da raça humana. Afinal, a humanidade foi criada no sexto dia. E o Apocalipse afirma que o famoso número da besta é um número de homem. O reino da besta é o reino ou império da quantidade, da multiplicação sem fim, da acumulação excessiva, da reprodução desenfreada , da produção insana das indústrias, fábricas etc.

Uma certa passagem bíblica afirma que no processo de depuração da iniqüidade, dois terços da humanidade serão eliminados. Ora, dois terços correspondem a 66,6 por cento. Esta depuração está ocorrendo agora.

Para mim, a Besta do Apocalipse é a humanidade vivendo no plano animal, bestial. Satisfeita com o reino da quantidade. Pois a vida dos animais resume-se a comer, beber, reproduzir e morrer. Não só isso, mas também o poder da ciência, da arte, da política, da economia e até das religiões que negam e desprezam o SAGRADO. Que privam os seres humanos do conhecimento libertário, que impedem ou negam o acesso ao SAGRADO. Como disse Jesus: Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará. Em numerologia, o número 6 está associado ao planeta e à deusa Vênus, que regem, entre outros, os seguintes assuntos: amor, sexo, casamento, família; relações afetivas, sociais. Assim como a AIDS, a gripe suína está disseminando o medo de contatos, toques, abraços, beijos, relações íntimas e até mesmo um simples aperto de mão.

Assim como o 3 e 9, o número 6 representa o elemento AR, e a patologia numerológica o associa a todas as doenças do sistema respiratório. Todos sabem que as vítimas da AIDS e da gripe suína sucumbem principalmente devido às afecções do sistema respiratório.Observem que o lugar de origem da gripe suína, o México, é uma palavra que tem 6 letras. E o valor numerológico desta palavra, pelos métodos numerológicos usuais, é 33, número este que reduz a 6. Já o propalado lugar da origem da AIDS, isto é, a África, é uma palavra com 6 letras, embora a soma dê outro número.É isso por e nquanto. Agora, o escândalo maior: EU POSSO RESOLVER ESTE PROBLEMA!!!Quem não acredita em mim, dane-se. Eu sou o ARLEQUIM DO APOCALIPSE. Eu conheço o ponto fraco, o calcanhar de aquiles do MAL.Contudo, não farei nada em prol de ninguém. A menos que me implorem, e reconheçam todas as injustiças que já cometeram contra mim, simplesmente por falar a VERDADE. E principalmente me paguem, olho por olho, dente por dente, por todo o mal que me causaram. Eu sou a alegoria viva do CU - o lugar sagrado, o centro divino, a casa de Deus. Quem viver verá: no CU está a salvação da humanidade.

Um beijo da BOCA REPELENTE para todos!"

Waldo Motta

Tels.: 8841 7348 / 3056 0024

sábado, 15 de agosto de 2009

Poesia, sim


Poesia, sim

Procura, sim

entre ilhas de sentimentos,

coágulos de passado,

memória, feridas, memória,

aonde este rio nasce?

em que terra entranhou-se

estranhando a minha face?

eu, justo eu, o seu ninho,

o único abrigo

a frágil nau no vasto oceano.



Poesia, sim

Procura, sim

Eis aqui o barro que um dia sonhou ser gente.

A nascente escondida na mata,

em que buraco estará enfiada?

Pois nem que eu assassine todas as metáforas

irei banhar-me nu nesta fonte

a água que está além da palavra

e a estes versos me conduz.

Como um Cristo

- terrivelmente feliz

na cruz.

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Obra de Sivuca é doada ao Instituto Moreira Salles

O Instituto Moreira Salles (IMS) vai abrigar e disponibilizar ao público o acervo musical de um dos artistas mais importantes do século XX, no Brasil e no mundo: Sivuca, o mestre da sanfona.
O material será encaminhado à Reserva Técnica Musical do Instituto, no Rio de Janeiro, o mais importante complexo do gênero dedicado à preservação e divulgação da memória da música brasileira no país. O acervo de Sivuca será disponibilizado na internet, no sítio http://www.ims.com.br, para consulta dos amantes da música, fãs, músicos, pesquisadores e público em geral.
A doação será feita pela filha única de Sivuca, a socióloga Flavia de Oliveira Barreto. A cerimônia de doação está marcada para o próximo dia 18/08, terça-feira, às 19h, no auditório do IMS, rua Marquês de São Vicente, 476 – ocasião em que será feita uma palestra multimídia sobre a vida e obra do músico.
São, ao todo, 100 discos, dentre eles 65 autorais e outros 35 em que Sivuca participa como diretor musical, arranjador, compositor e/ou instrumentista – de forma a revelar a versatilidade do músico. As informações referentes à ficha técnica também serão disponibilizadas na web.
Para Flavia, o objetivo dessa ação é criar meios democráticos de acesso a um material até então disperso e desorganizado. Segundo ela, boa parte dos discos se encontra aleatoriamente na internet, só que, em muitos casos, estão incompletos e com informações equivocadas. O trabalho do ArteSivuca, prossegue a socióloga, foi exatamente organizar, sistematizar e digitalizar. Além de vasculhar sebos e institutos de memória no Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília, Recife, João Pessoa, Fortaleza e Natal, entre outros.
“É o trabalho de pesquisa que será doado, pois parte considerável do conteúdo já existe espalhado na internet”, reitera a socióloga. “Como as pessoas podem saber mais sobre Sivuca, se quase toda a sua obra está fora de catálogo?”, questiona. Embora consagrado mundialmente por reinventar a sanfona, levando-a a estilos inusitados como o jazz e a sinfônica, um estudante de música hoje teria dificuldade de encontrar Sivuca numa loja de discos.
A doação visa apresentar à nova geração a dimensão da grandiosidade de Sivuca. Outras entidades no Rio de Janeiro já receberam o material, como Conservatório Brasileiro de Música, Escola Portátil de Música e Instituto Cultural Ricardo Cravo Albin.


Sobre a Palestra


A palestra multimídia “Sivuca – Música e História” é um passeio musical pela vida e obra de Sivuca. Vai apresentar os resultados da pesquisa empreendida por Flavia desde 2001, destacando algumas raridades, entre fotos, vídeos e gravações musicais. É uma espécie de roteiro para consulta ao acervo do artista, destacando os discos e músicas mais interessantes.

Imperdível para os fãs de Sivuca e também para os amantes de sanfona. Pois a trajetória do mestre revela a versatilidade e grandiosidade do instrumento, não só para a cultura brasileira, mas para a música do século XX. No encontro, a música será apresentada diante de uma abordagem de seus contextos históricos, o que permite uma visão ampla das condições que permitem o nascimento de um gênio como Sivuca.
Multi-instrumentista, compositor, arranjador, orquestrador, regente, maestro e cantor, é como sanfoneiro que o artista alcançou o sucesso no Brasil e no mundo. E não é por menos: pelas mãos de Sivuca, a sanfona passeou por estilos até então estranhos ao instrumento, como a bossa nova, o jazz e a música erudita.
O legado de Sivuca abriu caminhos para se criar uma verdadeira escola de sanfona no Brasil e no mundo. Ao levar a sanfona para a música clássica e criar arranjos e orquestrações sobre temas gonzagueanos, Sivuca revelou a universalidade da música nordestina, fazendo de canções populares do povo sertanejo a inspiração para uma obra erudita sem precedentes. A palestra já foi apresentada no I Festival Internacional da Sanfona (BA e PE), no Festival de Inverno do SESC e no Sanfonada – Encontro de Sanfoneiros no Rio de Janeiro, entre outros.


Apresentadores


Flavia de Oliveira Barreto – socióloga, pesquisadora, pós-doutora em Estudos Culturais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), filha única de Sivuca, idealizadora e coordenadora do Projeto Sivuca.

Fernando Gasparini – jornalista, pesquisador, mestre em Comunicação pela Universidade Federal Fluminense (UFF), coordenador do Projeto Sivuca.

Sobre o Projeto Sivuca

www.sivuca.net

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

O elo erótico-sagrado entre Jesus Cristo e Maria

Jesus Cristo ladeado por Maria e São João evangelista
Giovanni Bellini, Pietà, 1460

O encontro de Jesus Cristo com Maria é a união do filho com a mãe e, ao mesmo tempo, do marido com a esposa. Édipo enfim realizado: essa é a síntese do pensamento místico cristão, versada por vates ao longo da história – uma interpretação inspirada nos sagrados evangelhos.

A união sexual entre filho e mãe é um dos maiores tabus sobre o qual se fundamenta a atual civilização. É, no mínimo, instigante perceber que os mitos / arquétipos “realizam”, no campo dos deuses, aquilo que é extremamente proibido no campo dos homens, algo indigno sequer de ser citado.

O encontro amoroso de Cristo e Maria assume um sentido claramente erótico nas exaltações poéticas dos místicos cristãos, dentre os quais São João da Cruz. Autor de extremas delicadezas, deixava escapar os vestígios do corpo no encontro divinal arrebatador – do qual os versos são o sussurro que induz / conduz / seduz / enfeitiça o leitor a deleitar-se no colo de Deus – em harmonia com o salmo 84:2, um dos preferidos do poeta: “meu coração e minha carne gozaram no Deus vivo”.

Na Espanha católica-conservadora do século XVI, o poeta erigiu versos que adentram bravamente este novo milênio. Sua força poética superou os moralismos daquele tempo e até hoje desafia os ditames da igreja que o assimilou – a mesma que o perseguiu e o encarcerou.

Muitos padres e hermeneutas de São João da Cruz tendem a sublimar a identidade entre o místico e o erótico revelada em seus versos. Como bem apontado pela tradutora Dora Ferreira da Silva, “a tradição ortodoxa sempre preferiu uma aproximação mais intelectual ou mesmo escolástica das verdades últimas do cristianismo”.

Nessa abstração racionalista, que permeou milênios na humanidade, a vivência do amor humano se reduziria a uma função biológico-reprodutora, expulsando os deuses de nosso jardim das delícias. A poesia mística, ao contrário, aponta para o encontro do divino dentro de si – o corpo como a taça onde os anjos bebem o vinho.

Para São João da Cruz, Deus é o mais profundo centro de nossa alma – acessada somente pelas mediações da carne. Cristo, nesse sentido, é a transformação do homem em Deus e vice-versa. Maria, mãe e esposa, é o elemento feminino que rege / recebe / concebe a tenebrosa união – um casamento que se efetiva dentro de cada um de nós.

A poesia, com o sabor de síntese e encanto, reduz o exposto acima a um mero intróito / pretexto para anunciar os versos que seguem abaixo, de autoria do santo espanhol:


Do nascimento

9

Já que era chegado o tempo
em que Ele nascer devia
assim como desposado
de seu tálamo saía
abraçado a sua esposa
que em seus braços a trazia
ao qual a graciosa mãe
num presépio deporia
entre doces animais
que ali no momento havia;
dos homens eram cantares
dos anjos a melodia
festejando os esponsais
que entre aqueles dois havia
mas Deus naquele presépio
só chorava e só gemia
e eram jóias o que a esposa
ao casamento trazia
e a mãe olhava espantada
a troca que ali se via
o pranto do homem em Deus
e no homem a alegria
coisas que num e no outro
tão diverso se cumpria.

Tradução de Dora Ferreira da Silva. Este poema, bem como as aspas citadas acima, estão em “A Poesia Mística de San Juan de La Cruz”. Edição bilíngue, São Paulo: Cultrix, 1984. A versão original em espanhol é um sabor a mais. Vejamos:

Del Nacimiento

9
Ya que era llegado el tiempo
en que de nacer avia
assí como desposado
de su tálamo salía,
abraçado con su esposa
que en sus braços la traýa
al qual la graciosa madre
en un pesebre ponía
entre unos animales
que a la sazón allí avía
los hombres dezían cantares
los ángeles melodía
festejando el desposorio
que entre tales dos avía
pero Dios en el pesebre
allí llorava y gimía
que eran joyas que la esposa
al desposorio traýa
y la madre estava en pasmo
de que tal trueque veýa
el llanto del hombre em Dios
y en el hombre el alegría
lo qual del uno y del outro
tan ajeno ser solía.

terça-feira, 28 de julho de 2009

Apontamentos sobre a "Terra sem Mal"


Jaguarete (William Berger) e Sinhozinho (Allan Moscon).
Foto: Ricardo Aguiar

Não é um bom espetáculo, se fôssemos avaliar pelos comentários apressados do público presente à estréia de “Terra sem Mal – um Mistério Bufante e Deleitoso”, em maio deste ano, no Centro Cultural Majestic, em Vitória (ES). A peça nem sequer poderia ser chamada de arte cênica:


“Isso não é teatro! Isso pode ser qualquer coisa, menos teatro!”, argumentaram alguns espectadores, durante o debate promovido após a apresentação – um bate-papo em que o público poderia dizer o que quisesse a respeito da peça.


O incômodo resultara não somente da aparente precariedade do cenário e da iluminação, montados a base de lanternas, velas coloridas, um projetor de slides e até um pisca-pisca natalino. Nem também do desempenho amadorístico dos atores e da trilha sonora inspirada em festas raves, mixando desde a Pantera Cor de Rosa a Uma Odisséia no Espaço.


O que mais chocou e confundiu a platéia foi, sem sombra de dúvida, a entrada em cena do autor, diretor e idealizador de “Terra sem Mal”, o poeta pra lá de polêmico Waldo Motta – que lançou no palco algumas poesias inéditas de um livro ainda não publicado. Além de recitar alguns poemas, o artista interfere diretamente na cena a qualquer momento, chegando a corrigir os atores, caso algo saia fora de seus planos.


Em sua segunda apresentação, ocorrida em junho, no Mercado São Sebastião, também em Vitória, o poeta, antes de declamar um poema, abaixou-se para corrigir o posicionamento dos pés dos atores William Berger e Allan Moscon, a fim de achar uma simetria visual entre ambos. Alguém na platéia sussurrou: “isso está no script?”. “Terra sem Mal” é um franco desafio aos espectadores que supervalorizam o preciosismo formal / estético no palco.


Outro aspecto chocante são as caras e bocas de Waldo Motta, ao assistir, de dentro da coxia improvisada, o desempenho dos atores. Se alguém não lhe agrada, o poeta não esconde o descontentamento, balança a cabeça em negativo, e, de vez em quando, urge umas críticas a quem estiver próximo. Da mesma forma, vibra com os pontos altos, gargalha e sai a circular entre a platéia.


A apresentação no Mercado São Sebastião revelou um aspecto fundamental no trabalho do poeta: o rompimento da quarta parede, o abandono do palco para o encontro direto com o público. É com essa liberdade que o ator William Berger – sem dúvida, o destaque da peça – encena o poema “Assim disse a Monstra”, enquanto agarra um espectador, declamando: “Eu sou a monstra sagrada / eu sou a bicha papona / eu sou a jaguatirica / dos vales / eu sou a suçuarana / dos montes” – num clima ousado, sério, e ao mesmo tempo festivo, brincante, carnavalesco.


O público no Mercado São Sebastião estava disperso nos bares e lojas ali instalados, para estimular a vitalização do histórico lugar, em Jucutuquara. Nesse contexto, o poeta inicia a peça. De súbito, um mero espaço de passagem virou, por meio da intervenção artística, um lugar de confluência, em torno do falar poético.


Embora soe inconsútil, e baseada no improviso, ao modo de um ensaio aberto ou happening, a peça é fruto de dezenas de ensaios, sendo que cada entoação dos versos e movimentação no palco foram meticulosamente pensadas por Motta. O espetáculo “Terra sem Mal” surgiu a partir de uma oficina ministrada pelo poeta na Escola de Teatro e Dança Fafi, em Vitória, 2006, de Poesia e Teatro.


A partir daí, fundou-se o grupo Poeisis, e, após vários ensaios com atores amadores e profissionais ao longo de 2007, foi só no fim de 2008 que se formou o grupo que hoje forma a peça. “Terra sem Mal” é dividida em três atos, semelhante aos autos medievais e ao teatro sacramental – Gil Vicente, Anchieta, Calderón de La Barca, entre outros – em que homens, deuses e demônios assumem a fala. São, ao todo, 24 poemas, que não sofreram nenhuma adaptação ao saltarem do papel para o palco.


No primeiro ato, os atores interpretam / vivenciam os buscadores do paraíso perdido, alegorizam uma condição arquetípica do homem – o ser atônito no universo à procura de si, na esperança de encontrar a chave que liquide a angústia e o fardo da existência, e restaure uma condição intuída como primordial pelas várias religiões: a superação da morte – a conquista da terra sem mal, lugar de abundância, alegria e paz.


O título da peça é uma alusão ao mito indígena brasileiro da terra sagrada, correspondente ao éden hebreu, ao nirvana budista, ao samadhi indiano. “Terra sem Mal” é uma interpretação / hermenêutica poética de Waldo Motta acerca dos símbolos / arquétipos / metáforas das religiões dos índios.


Seminus, com shorts de lycra apertadíssimos a cobrir os despudores do corpo, William Berger, Allan Moscon e Cristina Garcia se enfileiram e formam uma árvore antropomórfica e lançam gemidos, uivos de desespero, os três estáticos, a mover somente as mãos-folhas.


Logo mais à frente, Waldo – com voz rangente, de vitalidade invejável – comunica um verso, à primeira mão, incompreensível:


Ein Traum aber auch Wirklichkeit.


Em seguida, os autores respondem ao código, traduzindo-o em uníssono:


Um sonho, mas também realidade.


Aqui se oferece uma senha para penetrar o espetáculo. Entre o cognoscível e o mistério, o sonho de Waldo Motta é também uma realidade: duas esferas opostas amorosamente, e em desespero, se cruzam, mostram ao espectador a magia que está por vir, inscrita no real. Essa é uma vertente do teatro sacramental, que enfatiza o caráter alegórico / simbólico da existência – os seres humanos como personagens de um jogo entre os deuses.


Fortemente ligado à tradição cristã-católica, o teatro sacramental – um dos primeiros a chegar no Brasil, como instrumento de catequese – é revivido em “Terra sem Mal”, no tocante à visão de um mundo como palco de atuação e lugar da presença do divino. Diferentemente dos autos medievais, no entanto, a peça é uma vivência dos mitos indígenas, ou seja, não-cristãos. “Catequizamos Anchieta”, brinca o poeta.


A alegoria do homem em busca da sonhada terra é sintetizada no poema abaixo, declamado por William Berger, com chapéu de capitão do mar (detalhe: cheio de plumas) e sotaque do português navegante e aventureiro:


Mar de tanto sangue e fel,

mar amaro, mar cruel,

onde hemos de encontrar

a terra de leite e mel?



Aos poucos, o enlace poético evidencia uma inversão metafórica, isto é, as projeções exteriores de um lugar sagrado são redirecionadas, conforme uma tradição mística, ao corpo humano, este sim o lugar paradisíaco, ao qual se deseja – conscientemente ou não – conquistar.


No prelúdio que antecede o segundo ato, Waldo Motta – nunca como ator, ele insiste, mas como ele mesmo – assume novamente a cena, e começa a falar sobre o mito da divindade Jurupari, o messias dos índios, elo entre céu e terra, cujo significado é: boca fechada. O poeta explica que o sagrado, em sua etimologia, tem a ver com segredo, separado, silenciado. E afirma: “eu sou Jurupari, mas decidir abrir a boca”. E verte ao público um longo poema, que considera a espinha dorsal do mais recente trabalho:


Boca interditada

por leis e editais

boca lacrada

por lacres morais

boca selada

por falar demais

boca atarraxada

por conveniências

já não serei mais.

(...)


Jurupari desembesta

a falar a coisa a loisa

o treco o trem

o troço a joça

e berra

e ruge

e estruge

o cujo

o nome feio

o nome sujo

a palavrinha

o palavrão


Alguém na platéia indaga: “mas que maluquice é essa, hein?!”. Outros, tomados de susto, aplaudem, enquanto alguns saem de perto. As crianças riem. Qualquer coisa menos incólume, Jurupari é a expressão da verdade máxima descoberta por Waldo Motta: a de que o cu é, universalmente, o lugar da redenção de todos os homens e mulheres, independentemente de cor, credo, geração, classe social ou sexualidade, o lugar da transformação do ser humano em deus. Daí o trabalho poético banhar-se nas fundas águas da religião, no sentido do latim, religare, religar o homem ao divino, ou então, ligar pela ré, pelas costas.


Por mais absurdo que pareça, esse é o fundamento-síntese sobre o qual se alimenta toda a construção artística e a verborragia do poeta, sua hermenêutica dos textos sagrados e esotéricos – sua antropofagia os(v)aldiana.


No segundo os atores personificam os deuses das crenças indígenas, como Tupã e Trovão. Eles enfim revelam a verdade aos homens. Se alguém imagina os deuses como cheios de pompa, solenidade, eufemismos e distanciamentos, aqui eles se revelam satíricos, bufões, burlescos, gozando da condição humana.


Os atores retomam a cena como índios, mais uma vez seminus, e gritando sons guturais, com tambores e chucalhos: uh uh – ah ah – uh uh – ah ah. Sons que estimulam as zonas baixas do corpo. Tupã é invocado e o deus Trovão, finalmente, responde, na voz de Cristina Garcia:


Ó meu caro Kwaí,

solitária é a jornada,

e não há aonde ir.

A Terra Sem Mal que buscas,

o paraíso que sonhas

sempre esteve em ti mesmo,

está em tuas entranhas.


(...)


Chovam graças em toró

sobre quem ame o loló.


Nesse momento, os índios descobrem que a terra sem mal é a alegoria de nosso ânus. Assim, a peça passa a assumir um ar mais bichesco, um aspecto travesti / travestido / transformista – o tom viadesco é crescente. A sonhada terra, depois de milênios de busca, está ao alcance das mãos. O terceiro e mais longo ato é dividido em duas partes – a primeira é a dança da anunciação, e a segunda os perigos de se tocar na sonhada terra, protegida por demônios e bestas sagradas.


Inicia-se o momento mais erótico e sensual do espetáculo, quando Allan e William se abraçam, agarrados um atrás do outro e alegorizam corporalmente o casamento místico indígena entre o irmão sol e o irmão lua. “Salve, par assinalado / que por Deus suspira e geme”, anuncia Cristina. A irmandade entre os símbolos é efetivada a partir da junção erótica.


Na opinião de Waldo Motta, o mistério da verdade se desnuda a partir do momento em que começamos a nos despir – de roupas e de preconceitos. Por isso, a ênfase na sensualidade. A exposição do corpo, longe de ser pornográfica, assume um caráter lúdico / de brincadeira.


O casamento místico é fruto de uma batalha em que se deve enfrentar os monstros interiores, os medos e fobias frente a uma nova realidade, criada a partir do sonho. A monstra é personificada por William, ao som da Pantera Cor de Rosa, balançando um enorme rabo, e cheio de plumas e penas. E declama ser “o tigre de Blake e de Borges, / e a pantera de Dante, e o leopardo / de Eliot e Daniel, / e o dragão do Jardim das Hespérides / e a besta do Apocalipse / a serpente do paraíso. / Sou o próprio chupacabra”. A platéia gargalha.


Novamente, em outro poema, Jaguarete, o feroz animal, cede aos anseios do príncipe, do bofe, personificado por Allan: “Vem, pastor tão desejado, / visitar nosso curral; / vem logo, ó doce amado, / anjo do amor divinal”. William faz insinuações pra lá de provocativas a Allan, pega no seu falo, e os dois saem a correr pela platéia, como a festejar o místico-erótico encontro.


Ponto importante: a peça não acaba no momento em que termina, pois o que ela oferece é uma chave de leitura para a existência humana, portanto há de se ruminar durante bastante tempo as provocações ali contidas.


Em sua obra, Waldo Motta considera que “a teatralidade é, com efeito, um elemento predominante”. Para o dramaturgo José Celso Martinez Corrêa, os poemas de Motta são um “breviário de teatro”.


Se a meta de uma certa poesia escrita, como esta, é comunicar-se com o amplo público, na poesia falada ela encontra a extensão vocal, física, exterior (gestos, sons e imagens) para sensibilizar / chocar / provocar; e direcionar tal impacto para uma possível reflexão interior, de ordem religiosa / filosófica / metafísica. Esse talvez seja o principal anelo entre Artaud e Motta, comparação apontada por José Celso. “Terra sem Mal” é um claro exemplo, uma experimentação do teatro da crueldade, principalmente quanto ao seu aspecto ritualístico / espiritual. Em outros termos, o que se opera em cena é uma cerimônia demiúrgica / alquímica / mística / catártica / religiosa, em que deuses e demônios são acionados pela mediação da palavra, uma convocatória ao prazer e ao êxtase, o deleite do homem ao lidar com as divindades, sendo o corpo teatral uma metáfora para o jogo simbólico que identifica o ser humano como o receptáculo / taça onde anjos e exus bebem o vinho. Conforme o teatro da crueldade: reverter os papéis entre palco e platéia, uni-los.

Assim, o poeta se justifica: “não quero posar de dramaturgo, esse é um espetáculo-tese, um experimento sociológico, ao modo de Brecht, em que pretendo confirmar minhas assertivas místicas e espirituais. Com essa peça, eu prego uma peça no mundo artístico”.


Nesse aspecto, a entrada em cena do poeta, suas intervenções, a sensação de ensaio aberto (work in progress), são estratégias para evidenciar o teatro dentro do teatro – o metateatro – e evocar o teatro que a vida é, num caráter também didático e de dimensões políticas, dentro da linha brechtiana.


No teatro alegórico, os acontecimentos da história se sucedem num teatro de farsas e tragédias – cada ser humano tem uma dimensão simbólica, decodificada segundo conhecimentos de numerologia, astrologia, cabala, tarô, mitologias, etimologia, interpretação dos sonhos etc. Trata-se de uma visão em que “os seres e coisas são metáforas, símbolos e representações de outras realidades”.


Finalmente, concebemos a identidade entre o ato espiritual e o ato artístico. Ambos operam no terreno da imaginação, em direção à ação no real, e a partir dele – uma interação elementar. A linguagem artística é o meio da comunicação espiritual. O ato espiritual em si é também artístico, pois é uma descoberta poética.

terça-feira, 21 de julho de 2009

Fragmentos de um Hospital

I

Pintura: Gian Paolo Doth

À primeira vista, imaginei que já estivesse morto – pela forma como os enfermeiros, ágeis e firmes, pegaram na maca, retirando da ambulância o senhor bem velho e alto, a pele bege, fria e flácida, o corpo cheio de fios e coberto por uma capa verde clara, de certa transparência; e, próximo à barriga, uma máquina com vários botões, que aparentou ser bem pesada, formato retangular, à espessura e tamanho de um livro grosso, antigo, de capa preta.


Uma das enfermeiras cobriu com a capa verde um pedacinho da barriga que aparecia ao vento, noite fria, e, alguns segundos depois, os olhos do homem, fechados como os de um defunto, se abriram, claros, castanhos, reais.

Uma gota despontou na clara água, a lágrima escorreu na dor da face, e os enfermeiros.... os enfermeiros sorriram, brincaram: - tá chorando meu amor, tudo está bem, tudo vai ficar bem; o velho homem era uma criança, e o seu rosto levemente amenizou. E ele sorriu.



II


Pintura: Gian Paolo Doth


Era a única bebê no atendimento da emergência, entre quase uma centena de adultos a tossir e a assistir a novela, fechados dentro de uma enorme sala branca, sem quadros ou flores, com ar-condicionado ligado, e uma parede de espelhos a cobrir uma das laterais, de forma que todos poderiam ver a si mesmos.

Um pouco magrinha sim, mas com os olhinhos grandes, estendia os bracinhos e mãozinhas para pegar no cartão do plano de saúde, este segurado firme pela mãe, com a bebê no colo e os olhos atentos às informações constantes naquele estranho objeto.

Após checar os dados algumas repetidas vezes, a mãe enfim levantou a cabeça e olhou séria para frente, como a esperar, como a vaguear num pálido transtorno. O cartão do plano permanecia firme em suas mãos – gesto estático – como se estivesse pronto para ser visto e revisto a qualquer momento, lá estava ele, quase ao alcance das mãozinhas da bebê, cada vez mais instigada em descobrir a coisa.

A mãe abaixa a cabeça em direção a da filha, mexe um carinho em seus cabelos e, olhos fechados, murmura qualquer coisa de indescritível. A criança, a todo tempo em silêncio, agora mexia os bracinhos e perninhas para agarrar o cartão. Um dos dedinhos chegou a tocá-lo.

É quando a mãe se volta para conversar com alguém, ao mesmo tempo em que, instantaneamente, esconde o brinquedo na bolsa. De súbito, a bebê levantou a cabeça e olhou séria para frente, como a esperar, como a vaguear num pálido transtorno.

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Guitarra e Sanfona - Um Encontro Pulsante

Marcelo Caldi (sanfona) e Guga Mendonça (guitarra). Foto: Sérgio Bondioni
Profundamente ligada ao ambiente sertanejo das várias regiões do Brasil, a sanfona tornou-se um ícone da chamada cultura popular brasileira, e ninguém pode imaginar um forró, um xote ou um baião sem a nobre presença do instrumento, acompanhado pelos agudos do triângulo e os graves da zabumba. Foi com essa formação que o rei do baião, Luiz Gonzaga, se apresentou pela primeira vez com sucesso na Rádio Nacional, Rio de Janeiro, nos idos dos anos 40.

De lá pra cá, a sanfona se metamorfoseou, seguindo o fluxo das dinâmicas históricas e culturais das décadas consecutivas. Foi, inclusive, colocada no ostracismo e identificada com um país agrário e oligarca, contraponto ao país moderno, urbano e industrializado que se pretendia construir, no fim dos anos 50. Ressuscitada pela Tropicália, que reposicionou Gonzagão num novo cenário, a sanfona começa a dialogar mais abertamente com outros estilos musicais.
Nesse contexto, destaca-se a importância de Sivuca para a ampliação dos caminhos da sanfona. De acordo com Ricardo Cravo Albin, "o músico é responsável por elevar a sanfona a uma categoria universal, inserindo-a no contexto do jazz e da música sinfônica".

Seguindo os passos do mestre, o Quinteto Sivuca, formado por músicos que acompanharam o artista nos últimos anos, surge no cenário da música instrumental com a tarefa de promover uma união dentro da enorme diversidade de sons que marcam a brasilidade. A marca mais salutar do repertório da banda é exatamente essa: a diversidade - forró, baião, frevo, samba, choro, balada, jazz e até inspirações sinfônicas. E por que não uma pitada de rock n' roll?!
Guga Mendonça. Foto: Sérgio Bondioni
Ao romper com várias tradições e revelar de forma veemente e inequívoca um traço marcante da música no século XX - a pulsação, que muitas vezes abandona o universo tonal para se banhar em grunhidos modais - o rock n' roll encontrou na guitarra elétrica um de seus maiores símbolos.
A geração de Sivuca, o albino paraibano que nasceu em 1930, talvez tivesse alguma dificuldade em assimilar os novos sons, mas, para quem nasceu na década de 70 em diante, a distorção da guitarra soa familiar, a ponto de ter sido incorporada à música popular brasileira em suas variadas facetas. Curiosamente, é a mesma Tropicália que começa a distorcer os timbres do instrumento, e não sem alguma resistência de outros setores da música, que chegaram inclusive a promover passeatas contra a guitarra elétrica.

Se o forró e o rock, à primeira vista, soam como gêneros distintos, devido às suas origem e evolução, percebemos em ambos o traço comum da pulsação: música feita para dançar, empolgar, extravasar. Não é à toa que o maior roqueiro do Brasil, Raul Seixas, é nordestino e bebeu nas águas de Elvis e Gonzaga para produzir sua obra.

Poderá o timbre da sanfona harmonizar-se com as distorções pulsantes da guitarra?! Se uma imagem vale mais do que muitas palavras, convido o leitor a assistir ao vídeo abaixo e tirar suas próprias conclusões.


Filmagem e Edição: Maurício Leal
É o show do Quinteto Sivuca, realizado recentemente no auditório do BNDES, Rio de Janeiro. A música é o forró Nilopolitano, homenagem de Dominguinhos à cidade de Nilópolis, onde morou por vários anos. Trata-se de uma peça virtuosística, de difícil execução, para deixar muito sanfoneiro de cabelo em pé, dada à forte pulsação e às melodias intrincadas. Destaque para os talentos do sanfoneiro Marcelo Caldi e do guitarrista Guga Mendonça, rompendo fronteiras para alcançar os mais diversos públicos e, ao modo de Sivuca, revelar a universalidade da música.
O Quinteto Sivuca é formado também pelo legendário baixista Jorjão Carvalho, Cacá Colon certeiro e preciso na bateria, e a personalidade marcante de Paula Faour nos teclados. Os três são um assunto à parte. Se alguém imagina que eles estão na cozinha, já habitam a sala de estar há muito tempo.

Quinteto Sivuca. Foto: Sérgio Bondioni

terça-feira, 30 de junho de 2009

Rosa



Almejo o abandono

da rosa na curva,

a estrada é qualquer,

de pó e pegadas

em todos os homens.




A rosa do acaso,

nascida além do

terreno da casa,

nas roças da América

ou em lendas da Pérsia.




Selvagem no à toa

de ser no secreto

de si um jardim

alheio aos milênios,

só silêncio e orvalho.

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Carmélia Alves - Rainha homenageia Sivuca

Carmélia Alves (Foto: Sérgio Bondioni)


A legendária cantora Carmélia Alves - consagrada como a rainha do baião, na era de ouro do rádio - teve de ir a Recife para receber o título. Era início dos anos 50 quando a artista foi se apresentar na Rádio Jornal do Commércio. Lá, encontrou Sivuca, o jovem sanfoneiro que, aos 18 anos, já era conhecido como o maior sanfoneiro do Brasil.

E no suntuoso auditório da emissora, o público, em êxtase, pedia a Carmélia para cantar os vários baiões famosos da época. E - de improviso - Carmélia e Sivuca combinaram fazer um pot-pourri. A cada tapinha que ela desse na barriga dele, a música seria outra. No dia seguinte à apresentação, os jornais estamparam: "Rainha do Baião, Carmélia Alves, é sucesso em Recife". Dessa brincadeira, nasceu "No Mundo do Baião", uma coleção de canções gravadas pela Continental, em 78 rotações.

E foi para o amigo Sivuca que Carmélia Alves entoou "Adeus, Maria Fulô", acompanhada pelo Quinteto Sivuca, em show no BNDES, Rio de Janeiro, em maio, por conta do mês de aniversário do mestre da sanfona, que completaria 79 anos. O grupo é formado por Paula Faour (piano), Guga Mendonça (guitarra), Marcelo Caldi (sanfona), Jorjão Carvalho (baixo) e Cacá Colon (bateria).

Aos 85 anos, Carmélia esbanja vitalidade e carisma junto ao público, sendo sua participação um dos pontos altos do show do Quinteto Sivuca, que lotou o auditório do BNDES. A canção "Adeus, Maria Fulô" é o primeiro sucesso autoral de Sivuca e se tornou conhecida exatamente na voz de Carmélia Alvez, em 1956. A música foi composta em parceria com Humberto Teixeira e retrata o duro processo migratório do povo nordestino para o Sul do País.

Atualmente, Carmélia é protagonista do documentário "Cantoras do Rádio", de Gil Barone e Marcos Avellar, em cartaz nos cinemas. Além da rainha do baião, o filme apresenta o dia-a-dia das cantoras Carminha Mascarenhas e Ellen de Lima, estrelas da Rádio Nacional do Rio de Janeiro. O grande recado que elas deixam no cinema é: queremos cantar.

E cantemos!

sábado, 13 de junho de 2009

Canto

Entre os meros acaso e cotidiano
surge um carinho mudo e disfarçado
um abre-alas ao vento inesperado
vem do Norte, caminha ao Sul, soprando

ares de junho, de festa e colheita,
um torpor de alegria em meio à seca.
Quem é que não gosta de brincadeira?
Ralemos os corpos nesta lua cheia!

Vislumbremos num encontro o que é sagrado:
a busca suave por novas paisagens
nos territórios ocultos da carne.

Tocar no centro do vivo mosaico
revela o jogo que une os destinos,
o que é que os deuses têm a ver com tudo isso?

segunda-feira, 18 de maio de 2009

"Terra Sem Mal" - elo entre Poesia e Teatro



O teatro é considerado uma arte revolucionária. Desde muito cedo na história da humanidade ela esteve ao lado dos vates, anarquistas, utópicos e até santos. O motivo é simples: no teatro, o instrumento de ação é o corpo, vivo e presente no momento da atuação / representação. Criar em si esse estado do presente, esse esvaziamento necessário para depois ser preenchido com o espírito das artes e dos deuses, essa busca muito se assemelha a uma busca espiritual e mística.

E não é à toa que muita gente, pelo bem ou pelo mal, acaba navegando por essa maré selvagem. É o caso do poeta Waldo Motta. Se para alguns pode parecer surpresa um dos maiores poetas vivos do Brasil subir ao palco para apresentar o seu mais novo espetáculo “Terra Sem Mal”, quem conhece seu percurso biográfico vai constatar que o artista iniciou sua carreira como ator. Posteriormente ele abandona a profissão, por “nutrir por ela um certo desprezo”, mas a veia tragicômica teatral marcará as poesias de Motta para sempre.

O que também não é novidade: a estreita relação entre poesia e teatro. Reavivando a memória dos leitores e dos poetas sufocados pelo “moderno”, lembremos que os grandes textos inaugurais de nossas civilizações, seja o Gênesis, o Vedas e mesmo a Odisséia ou a Ilíada, eram antes poemas lidos em voz alta e que somente depois ganharam o espaço da letra escrita. Isso quer dizer que a poesia é anterior ao seu registro em forma escrita. A poesia é, sobretudo, pela sua origem, um instrumento da fala. As rimas e a conseqüente musicalidade dos poemas eram instrumentos mnemônicos, transmitidos de geração em geração através da fala.

Então, é isso: poesia falada. A poesia de Waldo Motta recupera de tal forma a teatralidade dos autos medievais que transformar o livro (ainda inédito) “Terra Sem Mal” numa peça de teatro é uma conseqüência quase óbvia, um caminho natural, diríamos assim.

E quem quiser conferir, vai o lead: “Terra Sem Mal – um mistério bufante e deleitoso”, em cartaz no Centro Cultural Majestic, Rua Dionísio Rosendo, 99, Centro, Vitória – ES, dia 23/05 (sábado), às 19h30. Waldo Motta é o idealizador, produtor, roteirista, diretor e o etecétera da peça. Participação dos atores: William Berger, Cristina Garcia e Allan Moscon.

A partir da mitologia dos índios brasileiros, e outras referências, oscilando entre o épico e o místico, o sério e o cômico, a peça “Terra Sem Mal” é um exemplo de teatro alegórico. Evocando os autos sacramentais, as propostas éticas e estéticas de Brecht e Artaud, entre outros, a peça satiriza, em clima de festa, rave, carnaval e ópera, a busca infrutífera do paraíso, em todos os tempos e lugares, e sugere onde se pode encontrar o objeto de tão apaixonado desejo: a zona proibida do corpo.

E esse é o assunto predileto de Waldo Motta. Sua proposta é resgatar a zona proibida do corpo – em síntese: o cu – e transformá-la na taça onde é servida o vinho dos deuses. Assunto pra lá de polêmico!

E para quem reclama da falta de originalidade do teatro contemporâneo brasileiro, extremamente ligado ao mercado cultural, “Terra Sem Mal” é uma excelente resposta. O público que irá assistir essa apresentação no Majestic estará diante de um momento histórico, pois vão ver a primeira exibição de uma peça que irá rodar o mundo.

Não é a primeira vez que uma peça fora do circuito mercadológico-cultural cairá nas graças do público e da crítica. Aqui no Rio de Janeiro, temos o emblemático exemplo de “A Descoberta das Américas”, um texto de Dario Fo encenado em monólogo por Adriano Julião. Quem foi assistir às primeiras sessões da peça, lá na Casa Mercado 45, pagou baratinho e viu o nascer de um grande sucesso!

Com condições de trabalho semi-precárias, cadeiras emprestadas e palco quase improvisado, “A Descoberta das Américas” sobrava talento – com um crítica mordaz e bufanesca da invasão européia que veio a ser chamada de “descobrimento” – e tapava os buracos da falta de estrutura. Resultado: uma peça fora do circuito cultural ganhou o Prêmio Shell de Teatro e hoje está rodando o mundo.

Esse é um exemplo recente de que, na pastichização geral do teatro brasileiro, ganha quem tem originalidade e ousadia. É o caso de “Terra Sem Mal”. Imperdível!!!

sexta-feira, 10 de abril de 2009

DRUMMOND, OS MODERNOS, E WALDO MOTTA

“No meio do caminho tinha uma pedra”. A pedra filosofal, a pedra teosófica, a pedra da igreja apostólica, a pedra de toque, a pedra onde repousou a cabeça de Jacó. Eis aí uma metáfora que percorre milenarmente o universo religioso / místico e cujo significado se revela – simples e claro – no verso do Waldo Motta: “No meio do caminho, eis a pedra”.

Waldo lançou recentemente a segunda edição, revista e ampliada, de Transpaixão (Edufes), livro recomendado para o vestibular 2010 da Universidade Federal do Espírito Santo.






Penso que a questão da verdade, esta última das coisas, aquilo que abriria enfim o “pequeno embrulho” do Drummond, foi por demais perseguida pela filosofia nos últimos séculos, tendo como grave certeza a de que os mecanismos da razão humana seriam o principal farol / instrumento dessa busca.

E como tais “verdades” soassem um tanto quanto duvidosas, costurou-se / construiu-se uma personalidade intelectual necessariamente cética e, por conseguinte, distanciada, principalmente no que se refere ao campo do religioso / místico, pois este descreve a verdade como a Verdade; e o campo místico, em particular, a considera como a própria transformação do corpo em divindade. Como se eu dissesse a mim mesmo: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida”, “Conheci a Verdade e a Verdade me libertou”.

Para ficar em um exemplo, apenas, de ceticismo, citemos o catedrático de Oxford, Max Müller, século XIX: “a mitologia é uma aberração mental primitiva, uma enfermidade da linguagem”. Em outras palavras, as palavras de Cristo, o que está encerrado nos Vedas, no Tao, na Torah e tantos outros textos basilares de nossas civilizações não passariam de “aberrações” e “enfermidades”, ou, no máximo, vistos por uma lupa crítica e distanciada.

De forma que a geração de Drummond, um pouco antes e um pouco depois, viu conceber e legitimar uma poesia prosaica, como bem apontado por Orlando Lopes, desprovida de uma cosmovisão mística deliberadamente assumida, como a de Waldo Motta, o que o insere numa corrente milenar de poetas místicos que atravessaram todos os tempos e civilizações.

Em termos de filiação poética, ou corrente poética, a poesia de Waldo está inserida numa linha de leitura / hermenêutica diretamente ligada a dos vates e santos. Nessa lista, inclui-se desde Moisés, Isaías, Ezequiel, e outros tantos profetas / poetas da tradição hebraica, além de São João da Cruz, o pai da poesia espanhola, Santa Teresa D’Ávila, Ângelus Silesius, Kobayashi, Tagore, Rumi, e muitos outros.

Existe uma proximidade geográfica / temporal / literária / poética da poesia de Waldo Motta com a de Drummond, eles estão próximos, é claro, e muitas metáforas de Drummond se penetraram de tal forma nas gerações que o procederam que seria impossível, talvez, fazer qualquer coisa poética no Brasil sem ter se contaminado pelo poeta mineiro. A poesia do Waldo não seria diferente, e ela dialoga sim, diretamente e o tempo todo, com os “modernos”, mas o seu foco último não é dar uma resposta aos “modernos” e prosseguir na agenda moderna. O que Waldo quer é encantar / seduzir o leitor, inclusive os “modernos”, por que não?, para a prática mística, daí a sua filiação ser marcadamente distinta da de Drummond.

A “progressiva laicização da sociedade ocidental” (Orlando Lopes) fez da ironia e do torcer o nariz em relação ao sagrado um traço de nossa poesia, e também de nossa música, e das artes em geral.

Nesse contexto, qualquer texto que se almeje como o revelador da verdade, da salvação da humanidade, da descoberta do pote de ouro no final do arco-íris, só poderá ser ridicularizado / visto à distância não só pela “crítica canônica” mas pelas ciências em geral, pelas mídias, pela “opinião pública”, por tudo aquilo que necessita manter-se laico para manter-se as coisas como estão.

No entanto, por mais que o modernismo na poesia brasileira tivesse isso também como “traço” / “comportamento”, o fato é que a poesia moderna lida com metáforas / símbolos que já foram vastamente utilizados e ressignificados por tradições antiquíssimas - nenhum símbolo, nenhuma metáfora de nenhum poeta do século XX pode ser absolutamente original, pois os elementos da palavra / poética são milenares, assim como suas possibilidades de interpretação.

“De modo que nada há novo debaixo do Sol. Há alguma coisa que se possa dizer: vê, isto é novo? Já foi nos séculos passados” (Eclesiastes, 1: 9-10).

Na auto-ironia de Drummond, “sorrio pensando: somos os Modernos provisórios, a-históricos...”.
Por isso, Bandeira, Drummond, Jorge de Lima, Murilo Mendes, Mário Faustino, Adélia Prado, Cecília Meireles, o profeta Gentileza, e muitos e muitos outros, vira e mexe, vivenciam esteticamente tal estupefação diante da existência, porque a poesia, ao lidar com metáforas relativas ao que é considerado sagrado pela tradição antiga, acabará – querendo ou não – por se embebedar nas águas do mistério.

“Guardar um segredo / em si e consigo / não querer sabê-lo / ou querer demais”, diz Drummond.

Mas o poeta moderno, tal como a personagem de “Máquina do Mundo” não ousa transpor a ponte, prefere consolar-se em seu pseudo-ateísmo – pseudo, sim, porque Drummond, especificamente, vive brigando com Deus, questionando-o, blasfemando-o, ironizando-o (“nem eu posso com Deus nem ele pode comigo”), e, incrível, também prestando-lhe reverências.

“E pergunta, sem interesse pela resposta: trouxeste a chave?”

Pois a poesia mística perguntaria com interesse pela resposta, e responderia à questão: trouxeste a chave?, com um sonoro sim!

É isso que assusta os céticos na poética mística de Waldo Motta, afinal ele trouxe uma resposta! Ao contrário de poetas muitas vezes propensos a divagações inúteis, Waldo resgata o sentido inicial dos textos sagrados, que são necessariamente poéticos: ele oferece uma resposta, o maná, a água da vida eterna. Esse é o objetivo dos textos sagrados.

A poesia sufi, por exemplo, no dizer de Farid Ud-In Attar e de Rumi, tem a missão de conduzir o leitor da leitura para o encontro direto com Deus. Na poesia mística, a poética salta do papel para a vida, para a sua transcendência e transformação em Deus – esse é seu aspecto fundamental / primordial.

A poesia mística induz, provoca o salto, porque seus símbolos sagrados correspondem, na forma e no conteúdo, a arquétipos / a memória milenar do homem / a desejos de completude / a inconsciência coletiva. Ela preenche um vazio mental carente de uma explicação / projeção simbólica para se fartar / provocar a saciedade / retornar ao estado adâmico, ingênuo e puro. É como se as metáforas, ao serem compreendidas segundo códigos místicos universais, representassem a abertura de um novo portal de conhecimento / comunicação, que lida com universos paralelos de sentido e cria novas realidades e percepções do ser.

É o grande poder da palavra / parábola / alegoria, habilmente utilizada na poesia mística para provocar a transformação do ser – a poesia como ferramenta para o resgate da espiritualidade e do Eu-Divino.

“Todos os pensamentos e emoções, todo o conhecimento e saber, adquiridos pelas primeiras raças ou a elas revelados, encontravam sua expressão pictórica na alegoria e na parábola. Por quê? Porque a palavra articulada tem um poder que os ‘sábios’ modernos não só desconhecem, mas nem sequer suspeitam, por isso, nele não acreditam” (Madame Blavatsky).

A poesia mística requer / solicita um tipo de leitor, ou uma postura de leitura, distinta do leitor prosaico da poesia prosaica. Caso contrário, a recepção só poderia ser mesmo paródica / irônica, ou seja, equivocada, porque esta poesia solicita uma recepção distinta. Esse “leitor místico” é, na verdade-alegoria, um aventureiro em busca do manancial da vida eterna, uma aventura em que está em jogo a própria vida, isto é, o desafio de transcender a vida e de superar a morte – eis a loucura proposta pela poesia mística, através de um jogo de metáforas que induziria a uma prática ritualística: a superação da morte, pelo poder da palavra.

Em síntese: só se poder conhecer a poética de Waldo Motta em toda a sua grandiosidade à luz de uma vivência mística, de fato.

Nenhuma crítica acadêmica será capaz de digeri-la / abarcá-la, seguindo os métodos das ciências literárias, calcados no esforço laico-intelectual / reflexivo / mental, desconsiderando as potencialidades do corpo físico, as práticas eróticas e de amor ao próximo e os rituais da magia da palavra / imagem / símbolo (tarot, cabala, astrologia, numerologia, etimologia etc.) como instrumentos legítimos de conhecimento.

Ter consciência da proposta poética de Waldo Motta é absurdamente diferente de vivenciá-la corporalmente. A consciência mental, sem a vivência corpórea, só nos dá as migalhas de um banquete celestial, que deve ser celebrado com o corpo, visto então como um templo da união entre a carne e o espírito (mente / consciência).

É essa vivência corporal / mística, de união do blasfemo (podre / excremento) com o sagrado (consciência / espírito /mente), que leva ao Conhecimento e à Verdade – esse é o meu testemunho! É importante usar o termo “testemunho”, pois, além do seu aspecto claramente religioso, isso traz à tona o sujeito, a subjetividade e, antes da estética, a ética. “Quero ser o que escrevo”, diz Waldo.

A poesia desse nosso glorioso contemporâneo precisa ser vivenciada como um ato de fé e de amor, próprio de uma postura religiosa, no sentido alegórico do termo, naturalmente. Pois sua poética traz uma proposta de redenção / salvação da humanidade – é a ressurreição da carne, o milagre. "E o milagroso dá medo. Aqueles que foram testemunhas da ressurreição de Lázaro terão ficado horrorizados", nos lembra o personagem do contro de Jorge Luis Borges.

Uma poesia que apresenta: “sim, eu trouxe a chave!”, representa simbolicamente a superação de toda uma poesia que, embora negasse, jamais deixou de lidar com elementos do místico / sagrado, mas de forma esquiva / relutante.

Quero frisar, contudo, que uma reflexão honesta a respeito das poesias modernas que lidam com o místico nos ajudará, sim, a compreender as implicações maiores da poética de Waldo Motta, pois este nobre capixaba inaugura uma hermenêutica própria, que deglute a modernidade e aponta para o novo / antigo.

Seus poemas são a ponta do iceberg. Eles nos remetem a outras leituras (que incluem os poetas modernos, entre muitas outras coisas), fundamentais para se aprofundar no poço, pois, afinal, “o buraco é mais embaixo”.

Inclusive, uma ótima contribuição de Bundo - a obra marcante / inaugural de Waldo - é nos abrir os olhos para as palavras da Bíblia Sagrada, que são continuamente manipuladas ao longo dos séculos para justificar a homofobia, o machismo, o assassinato e toda a sorte de desgraças. Waldo nos ajuda a quebrar os preconceitos em relação aos textos sagrados, olhando-os de forma alegórica, consciente das verdades inscritas / deduzidas pelas metáforas.

E arrisco-me, tal como Murilo Mendes, a anunciar que "o poeta futuro já se encontra no meio de nós. / Ele nasceu na terra / preparada de sensuais e de místicos: / Surgiu do universo em crise, do massacre entre irmãos, /Encerrando no espírito épocas superpostas".

Alguém duvida? Pois então prove!

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