terça-feira, 22 de janeiro de 2019

A BUNDA POR UM CHICLETE

Mas é como se fosse ontem... Fernando tinha uns cinco ou seis anos, e andava nos arredores do colégio Martins de Sousa, em Miguel da Palhoça, numa estrada de chão amarela com mato seco empoeirado em volta, quando um rapaz, um pouco mais velho, amorenado, suado e montado na bicicleta, ao lado de um outro rapaz, também montado e suado, lhe disse objetivamente:

"Ei, me dá a sua bunda que eu te dou um chiclete".

Foi a primeira, a primeiríssima vez em que ouviu isso: "dar a bunda"; e jamais compreenderia o que aquilo ensejava. Mas, de fato, se interessou pela troca, por dar, ou mesmo pelo chiclete.

"Como assim, dar a bunda?", perguntou.

"Você me dá a bunda e eu te dou um chiclete", limitou-se a dizer, meio bufante, meio sério.

Num gesto involuntário, Fernando colocou as mãos na bunda – um "bundão", que viria a ser o seu apelido por anos a fio, e insistiu:

"Como assim, dar a bunda?".

"É só dar a bunda, e eu te dou um chiclete", lhe olhou, lhe convencendo.

Nisso, enviado pelos deuses ou demônios, surge, montado em outra bicicleta, o seu irmão mais velho, perguntando, desconfiado: "o que está acontecendo aqui?".

Só uma criança responderia o que Fernando disse: "Eu vou dar a bunda para ele em troca de um chiclete".

Descobriu aí então o que era raiva, o que era ódio, o que era grito: "vambora daqui, agora!", ordenou-lhe o irmão. E a história se dissipou na poeira. Fernando não se lembra se levou uns tapas ali mesmo... mas logo viria o esporro do pai o proibindo de andar no mato, de andar sozinho, de não ir a lugar nenhum, de não fazer nada. Tanto esporro, tanto grito, e ninguém respondia a Fernando o que era “dar a bunda”. A curiosidade permaneceu...

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