terça-feira, 26 de janeiro de 2021

COMO AMAR O COLEGUINHA (ou, pelo menos, não querer lhe encher a cara de porrada)

 Respire fundo. Não é tarefa fácil. Se os mestres do Oriente e os espiritualistas de todas as gerações estiverem certos, o grande objetivo da alma, ao se aventurar nessa breve e ilusória existência corporal, é desenvolver a capacidade de amar. Mas... por quê?


Porque, mais do que um sentimento, o amor é um estado de consciência, e nos faz perceber a unidade por detrás das aparentes diferenças – a unidade de sermos todos irmãs e irmãos, feitos de uma mesma matéria, e pertencentes a um mesmo corpo humano, independentemente de etnia, crença, nacionalidade, gênero, sexo etc. etc. Sim, e isso inclui a sua tia fascista e o seu coleguinha de infância homofóbico.


Amar o seu inimigo é tarefa de anjos, não de homens, nos lembra Borges. Sim, não precisamos exigir tanto de nós mesmos. Mas podemos, ao menos, ser indiferente a quem tenta nos praticar o mal, como recomenda Patanjali em seus yogasutras. Isso não significa ter sangue de barata, quer dizer apenas: odiar quem nos odeia não vai nos levar a lugar nenhum. A indignação pode ser um sentimento justo diante das misérias do mundo, mas responder ao ódio com mais ódio só vai gerar... mais ódio. 


Como, então, combater o ódio? É simples a máxima de João da Cruz: onde não houver amor, plante amor, e colherá amor. Num mundo cada vez mais dominado pela raiva e pela inquietude, a prática do amor ao próximo é verdadeira revolução, arma e escudo contra o mal que nos aflige. 


Conscientizemo-nos que o ódio é uma doença mortal – assim como um adicto necessita reconhecer o mal que o vício lhe causa – para depois abandoná-lo.


Uma tecnicazinha básica (extraída das palestras de Laércio Fonseca)


Primeiramente, ame as estrelas do céu. Observe os brilhos variados, as constelações, a grandiosidade... imagine os anos-luz de distância percorridos até sua luz chegar sobre nossas cabeças. Quanta vastidão! Incomensurável. Não somos sequer capazes de conceber tamanha grandeza. Olhe para cima e veja: somos pequeninos diante de algo que podemos, sem qualquer exagero, chamar de infinito. Quem somos nós nessa gigantesca seara cósmica? Para além deste céu, quantos outros existem! Quantas estrelas e quantas galáxias e quantos outros mundos estão por detrás do que os olhos são capazes de ver. Não elabore uma resposta racional, ela não existe. Apenas sinta. Concentre-se nesse sentimento, demore-se nessa meditação. 


Segundo passo: ame a natureza. Não é difícil, né. A beleza, a suntuosidade e a paz que uma paisagem natural nos traz... somos conectados a ela, somos todos filhas e filhos da mãe-natureza. Dela viemos e a ela retornaremos. O que sentimos ao contemplar uma floresta, uma praia ou uma cachoeira? Ou mesmo nosso animal de estimação? Nem preciso explicar muito. E lembre-se: as baratas, os ratos, os mosquitos e as aranhas também fazem parte da natureza. Não precisamos amá-los na mesma intensidade com que amamos nosso cachorro, mas temos inteligência suficiente para compreender que eles também fazem parte desse todo, e são seres imprescindíveis para o equilíbrio natural, e, portanto, também têm direito à existência.


Depois, uma tarefa um pouco mais delicada: amar a nós mesmos. A gente costuma, ao longo da vida, construir uma lata de lixo e se jogar dentro. Mas não é bem assim que o cosmos nos enxerga. Afinal, houve um grande investimento da natureza até que você chegasse até aqui, desenvolvesse seu corpo, sua inteligência, sua capacidade de discernir. E, no mais, você é único. Embora fruto do infinito e semelhante a suas irmãs e irmãos, há algo em você que lhe faz completamente particular, e necessário à economia do universo. Você não é mais um na multidão. Não, você não é apenas mais um na fila do pão. É um ser imprescindível, dotado de capacidades ímpares. 


E, por fim: amar o próximo. Sim, aquele que está próximo de ti. É um ser complexo, cheio de problemas e traumas de infância, vitimizado por injustiças familiares, sociais, genéticas, repleto de maus hábitos e desvios de caráter, mentiroso, invejoso, cínico, hipócrita, frustrado, glutão... igualzinho a você. Os defeitos do outro tanto lhe incomodam porque reverberam e são projeções de seus próprios defeitos. Freud já explicou. Não estou falando nenhuma novidade, né.   


Um tanto quanto óbvio: digno é indignar-se com seus próprios erros. Tenha ódio dos seus equívocos e dos seus tropeços. Pois, se você fica pau da vida com os erros dos outros, pode ser um sinal de que não está olhando para as suas próprias sombras. Quando ocupar-se, mais e mais, em observar a si mesmo, menos tempo terá de sentir ódios dos outros.


E, sim, você é corresponsável por essa merda toda que está aí. Ainda guarda alguma dúvida? Informe-se. Assumir-se co-criador da realidade externa é o passo consciente da transformação.


O outro pode até ser um inferno, como sentenciou Sartre. Mas fiquemos, por ora, com o poeta Cairo Trindade, afinal, em excesso, “solidão não faz bem a ninguém / se o inferno são os outros / o paraíso também”.

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